sexta-feira, 30 de julho de 2010

Tormento

Sinto minh’alma atormentada pelas incertezas de um amor fugidio. Por vezes o alcanço, mas inevitavelmente me escapa por entre nos dedos. É areia, vento, bruma, fumaça. Como é arteiro! Brinca com meu coração aflito. Descansa no meu colo. Adormece feito criança. Farto, relaxado, entregue. Depois vai embora. Se despede num sorriso que sempre deixa a dúvida no ar. E eu espero.
Não durmo, vigio, espreito a escuridão das noites frias. Escuto todos os sons do anoitecer. Sonho acordada relembrando os momentos vividos. Passeio pelas estradas do passado recente de entrega e de prazer. Vislumbro o futuro feliz em suas asas.
Para suportar essa ausência e ignorar minha incapacidade de seduzir o amor é necessária uma falsa alegria. Fazer-se livre e independente quando na verdade queria estar presa aos seus grilhões. Alardear sua inutilidade e dizer que amar está ficando demodê.
Rir a bom riso dos apaixonados, apontar suas fraquezas, vícios e dependências. Quando tudo que você mais queria era está completamente inebriada com esse licor.
O corpo age, se movimenta, os pensamentos são coordenados, críticos e lúcidos. Mas o coração não se deixa enganar. Grita, exige, pede um novo amor nem que seja apenas por algumas horas, dias, meses. Não importa. Ele nunca se importa com o que vai acontecer apenas quer saciar essa fome, esse vazio deixado pelo amor antigo.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Capitão Luiz e o Canavião

Em meio à floresta densa: um igarapé de águas brumosas e geladas, a madrugada fria, o canto da coruja. Três homens esperam pacientemente que alguma coisa belisque a isca.
Mais uma pescaria em que se encontram os primos Zezinho, Luizinho e o tio Luiz, pai de Luizinho.
Muita cachaça, privações, aventuras e conversa jogada fora. Esse era o objetivo principal dessas pescarias o peixe era detalhe, mas era sempre bem vindo, pois quando se demorava, mais as conversas se estendiam e nessa noite em especial seguiu por lugares inimagináveis.
- Imagina Luizim se essa canoa criasse asas e voasse? Disse Zezinho pra puxar conversa e Luizinho mais imaginativo embarcou na fantasia.
- Rapaz, a gente saia daqui voando e estacionava em frente ao palácio Rio Branco.
- A gente ia precisar de um comandante – ponderou Zezinho, e como se iluminado por uma idéia ele mesmo respondeu: o Tio Luiz!
- É mesmo papai seria o “Capitão Luiz” e nossa canoa seria o “Canavião” explodiu Luizinho numa gargalhada.
- Rapaz, deixem de besteira, tamãe uns home paracem meninos! Tio Luiz respondia apenas num resmungo, digno de um bom capitão e as risadas se dobravam.
Enquanto isso eles nem percebiam, mas potentes asas surgiam por baixo da pequena canoa, a água se remexia revolta, toda a embarcação tremia agora pronta para realmente alçar vôo.
No que seria a “popa” da canoa, bem próximo onde Tio Luiz estava sentado, surge um timão e instrumentos rudimentares de vôo e navegação os tripulantes assustados recolhem as linhadas e esperam as ordens.
Logo tio Luiz fica de pé com seu velho quepe de pescador, o cigarro sempre aceso no canto da boca, incorpora um valente comandante, segura forte o timão e começa dar ordens à sua tripulação que se revela um tanto indolente na figura do sobrinho Zezinho que exige uma nova dose de cachaça para continuar aquela aventura e é prontamente apoiado pelos demais, ou seja, o Luizinho.
Abastecidos, segurando firmemente os remos, que agora davam uma velocidade assustadora à canoa, desculpe ao Canavião, começam a decolar. A subida é vertiginosa, de tirar o fôlego, logo estão bem acima da floresta, das nuvens, no espaço.
A noite negra pontilhada apenas por suas jóias mais belas até parecia uma bela dama pronta para uma festa e logo à frente a lua cheia cada vez maior e mais próxima, quase ao toque da mão.
Mas nada é belo o suficiente que faça o nosso valoroso capitão desviar seu curso, ele não dá muitas explicações sobre o destino apenas se mantêm firme e concentrado no seu trabalho, sabe que não pode confiar muito na sua débil tripulação agora deslumbrada com as cores e as formas que se desenhavam no vasto céu.
A subida continua, agora já se pode ver a via Láctea e os planetas, a terra mãe e o rei sol em todo seu esplendor.
Levitando na gravidade, girando junto com a terra o Capitão Luiz se permite um sorriso e duas lágrimas escapam dos seus olhos. A contemplação desse espetáculo foi forte demais para seu velho coração. É hora de voltar.
Novas e enérgicas ordens, mais uma dose e a descida. O vento gelado da madrugada, as primeiras cores da manhã e o Canavião segue firme rumo à terra cumprindo os deveres de Apolo em sua carruagem de fogo, distribuindo os raios de sol, trazendo ao seu lado a bela Aurora.
Logo sente-se o impacto na água molhando o rosto dos tripulantes, um novo estrondo e por encanto somem as potentes asas, os rudimentares equipamentos de vôo e navegação, as águas e os ventos se acalmam os homens se entreolham desconfiados e confusos até que Tio Luiz quebra o silencio.
- Zezinho onde é que tu comprou essa cachaça? Tem mais? E uma explosão de risadas ecoa pela mata assustando os bichos e os peixes.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Nas Asas do Amor

Normalmente associamos o amor a algo leve, a fontes, natureza verdejante, luz, claridade. Já o sexo se revela na nossa imaginação à meia luz, perfumes marcantes, pedaços de corpos que ora se revelam, ora se escondem, sussurros difusos, gritos abafados, gemidos sufocados por beijos e travesseiros.
O amor se revela ao ar livre, em plena luz do dia dizemos – eu te amo! A plenos pulmões. Contudo, jamais declaramos ao nosso objeto de desejo “quero fazer um sexo selvagem com você”, havendo testemunhas, mesmo que haja intimidade e confiança entre o grupo, preferimos dissimular nossas intenções.
O amor nos leva para o alto, nos sentimos capazes das mais loucas ações, leves planamos sobre bosques, a lua e as estrelas passam a estar ao alcance de nossas mãos, tornamo-nos poetas.
O único problema é que nunca sabemos em que momento perderemos suas asas que nos são apenas cedidas. Aí a queda é vertiginosa, são luzes e cores confusas, um nó no estomago, uma ânsia louca de tornar a voar. Lacrimejantes buscamos os montes mais altos e nos atiramos novamente, mas só conseguimos nos machucar ainda mais. O amor foi embora e para isso não tem remédio a não ser um novo amor.
Acredito que o sexo é mais honesto, mais prático e menos ilusório que o amor. Nele a satisfação é agora, já, não num futuro distante quando tudo estiver de acordo com suas mais tenras ilusões.
No sexo você dá e recebe na mesma medida o que ofereceu, tem carinho e toda atenção que requer o momento. No amor apenas nos doamos inteiramente na incerteza de que receberemos algo parecido algum dia.
O amor engana, é traiçoeiro, te abandona, aprisiona, escraviza, oferece suas asas para depois deixá-lo despencar das alturas.
O sexo não faz promessas que não pode cumprir, só oferece prazer e é só isso que pede em troca.
Contudo buscamos constantemente encontrar o amor, nos oferecemos a ele, aceitamos seus termos, nos agrilhoamos de livre vontade a essa doce ilusão. Queremos perder os sentidos, o controle. Muitas vezes usamos o sexo para chamar sua atenção, preparando armadilhas em que a vítima somos nós mesmos.
Às vezes ele vem e nos pega de surpresa em meio a uma aventura gostosa que deveria acabar ali, naquela noite.
Começa a metamorfose: as almas se desprendem dos corpos, flutuam, se encontram, se enlaçam, se enamoram. Somos agora feitos zubis seguindo às cegas aquela nova emoção. Alcançamos vales distantes, nos perdemos nesse emaranhado de sensações num vôo impetuoso rumo aos céus. Para depois humilhados e exaustos iniciar a penosa descida.

Pretinha

O dia mal raiou e ela já está cuidando das suas tarefas diárias. Sempre há muito o que fazer. Embora Dona Maria seja generosa na distribuição do milho e do xerém nunca é suficiente para alimentar tantas bocas, é necessário ciscar pelo quintal qualquer coisa que sirva de alimento.
Pretinha é uma galinha em boa idade mas nunca foi cogitada para ir para panela por ser uma excelente botadeira e para se manter assim precisa cuidar da sua saúde, por isso a urgência em se alimentar e alimentar os seus: uma ninhada de pintos que não dá nem pra contar.
Mas ela não se cansa. O novo galo do quintal fareja quando ela está pronta e logo a cobre novamente. Ela, na sua dignidade, não foge nem faz escândalo, deita-se subserviente, aceita seu destino. Afinal é melhor esse do que parar na panela e logo está cheia de ovos novamente.
Contudo, Pretinha possui uma certa liberdade. Logo após as três da tarde, depois de por tudo em ordem, ela se desvencilha dos seus afazeres, pintos e galo ciumento e atravessa uma pequena brecha na cerca passando fortuitamente para o quintal do vizinho. Lá ela encontra um amigo de longas datas, o antigo galo do terreiro de Dona Maria que foi dado ao vizinho por não está mais fazendo o serviço.
Seu destino era virá um caldo generoso, mas parece que seu novo dono se afeiçoou a ele, por também ser um solteirão sem mais importância dar ao sexo do que ao recolhimento e prazer de ler um bom livro.
Ela chega de mansinho cisca o chão e logo que o avista se deita e espera para ser coberta. Força do hábito ou caridade? Ninguém sabe explicar. Só sabemos é que o velho galo não se faz de rogado monta na Pretinha e passa ali bons momentos que muitas vezes nem acaba em coito, mas se dá o prazer de ter uma fêmea novamente sob si.
Minha vó paterna – Dona Maria, é que descobriu essa faceta da Pretinha.
À tarde sentados na varanda sob um calor escaldante sem mais assunto que espantar as moscas ela lançou. – "olha lai vai a Pretinha. Já lavou a roupa, arrumou a casa. Agora ela vai visitar o velho dela. Lá ela faz o café, põe lençol limpo na cama e se deita com ele. Depois volta pra levar os pintos pro galinheiro e nem dá bola se o galo novo se zangar".
Beleza, graça, criatividade sem intenção de agradar, reflexo dos destemperos e caminhos da vida. Minha avó revelou com sutileza, talvez até sem querer, alguns dos segredos da vida: saber driblar um destino esmagador e não se sentir vítima dele.
Há sempre uma fuga, uma saída, um momento de prazer nessa vida cheia de obrigações e deveres. Basta sabermos encontrar a brecha na cerca e termos a coragem de atravessá-la de vez em quando.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Aprendizado

O aprendizado da difícil arte de ser uma mulher moderna requer muita dedicação e coragem para assumir esse desafio.
Ser mãe, mulher, uma excelente profissional com uma pasta entulhada de certificados e MBA, ser esposa, filha, irmã, amiga.
São tantas funções que exigem a nossa presença que por vezes achamos que não daremos conta. E não damos mesmo. Não somos super-mulheres. Não podemos nos multiplicar para ocupar todos esses espaços.
A excelente profissional provavelmente está criando um adolescente confuso e rebelde para a sociedade tomar conta.
A esposa e mãe dedicada está acumulando frustrações para se lamentar no futuro, ainda mais se o seu nem tão fiel companheiro resolver trocá-la por outra com metade da sua idade, quando tudo estiver aparentemente estável.
A mãe solteira ou separada felizmente não precisa esperar a aposentadoria para correr atrás do prejuízo, faz isso logo que pega a carta de alforria.
Daí as festas, barzinhos, novos amigos, novos amores, mas persistem as mesmas cobranças dos pais, do filho, das amigas e dela mesma: ficarei velha e sozinha pro resto da vida?
Em uma dessas saídas podemos observar as “armadilhas” estendidas para fisgar um desavisado. São saltos, vestidos pretos e justos no corpo, olhos brilhantes e bem maquiados, bocas desejáveis que se abrem em sorrisos condescendentes a menor alusão a sua beleza.
Algumas negam suas intenções, outras falam abertamente ou brincam com tudo isso instigando o grupo masculino a observar melhor esses sinais.
Não se enganem elas não querem apenas sexo. Querem um companheiro. Querem construir ou reconstruir aquilo que foi desfeito. Semelhante a Sísifo condenado eternamente a empurrar, ladeira acima, uma enorme pedra que rolava de novo ao atingir o topo. Cabe a mulher a árdua tarefa de agregar as famílias modernas, híbridas e confusas. Mas tudo se ajeita com um pouco de charme e dedicação feminina.
As mulheres transfiguram-se, assumem momentaneamente, cada um desses papéis. Como fabulosas malabaristas do “Cirque Du Soleil” equilibram essas esferas em cima de saltos e unhas bem feitas.
Às vezes cai tudo por terra. Vem a depressão, a vontade de comer um carrinho de cachorro quente inteiro, mas passa, faz parte do aprendizado, voltamos a sorrir e seguimos em frente.