Em meio à floresta densa: um igarapé de águas brumosas e geladas, a madrugada fria, o canto da coruja. Três homens esperam pacientemente que alguma coisa belisque a isca.
Mais uma pescaria em que se encontram os primos Zezinho, Luizinho e o tio Luiz, pai de Luizinho.
Muita cachaça, privações, aventuras e conversa jogada fora. Esse era o objetivo principal dessas pescarias o peixe era detalhe, mas era sempre bem vindo, pois quando se demorava, mais as conversas se estendiam e nessa noite em especial seguiu por lugares inimagináveis.
- Imagina Luizim se essa canoa criasse asas e voasse? Disse Zezinho pra puxar conversa e Luizinho mais imaginativo embarcou na fantasia.
- Rapaz, a gente saia daqui voando e estacionava em frente ao palácio Rio Branco.
- A gente ia precisar de um comandante – ponderou Zezinho, e como se iluminado por uma idéia ele mesmo respondeu: o Tio Luiz!
- É mesmo papai seria o “Capitão Luiz” e nossa canoa seria o “Canavião” explodiu Luizinho numa gargalhada.
- Rapaz, deixem de besteira, tamãe uns home paracem meninos! Tio Luiz respondia apenas num resmungo, digno de um bom capitão e as risadas se dobravam.
Enquanto isso eles nem percebiam, mas potentes asas surgiam por baixo da pequena canoa, a água se remexia revolta, toda a embarcação tremia agora pronta para realmente alçar vôo.
No que seria a “popa” da canoa, bem próximo onde Tio Luiz estava sentado, surge um timão e instrumentos rudimentares de vôo e navegação os tripulantes assustados recolhem as linhadas e esperam as ordens.
Logo tio Luiz fica de pé com seu velho quepe de pescador, o cigarro sempre aceso no canto da boca, incorpora um valente comandante, segura forte o timão e começa dar ordens à sua tripulação que se revela um tanto indolente na figura do sobrinho Zezinho que exige uma nova dose de cachaça para continuar aquela aventura e é prontamente apoiado pelos demais, ou seja, o Luizinho.
Abastecidos, segurando firmemente os remos, que agora davam uma velocidade assustadora à canoa, desculpe ao Canavião, começam a decolar. A subida é vertiginosa, de tirar o fôlego, logo estão bem acima da floresta, das nuvens, no espaço.
A noite negra pontilhada apenas por suas jóias mais belas até parecia uma bela dama pronta para uma festa e logo à frente a lua cheia cada vez maior e mais próxima, quase ao toque da mão.
Mas nada é belo o suficiente que faça o nosso valoroso capitão desviar seu curso, ele não dá muitas explicações sobre o destino apenas se mantêm firme e concentrado no seu trabalho, sabe que não pode confiar muito na sua débil tripulação agora deslumbrada com as cores e as formas que se desenhavam no vasto céu.
A subida continua, agora já se pode ver a via Láctea e os planetas, a terra mãe e o rei sol em todo seu esplendor.
Levitando na gravidade, girando junto com a terra o Capitão Luiz se permite um sorriso e duas lágrimas escapam dos seus olhos. A contemplação desse espetáculo foi forte demais para seu velho coração. É hora de voltar.
Novas e enérgicas ordens, mais uma dose e a descida. O vento gelado da madrugada, as primeiras cores da manhã e o Canavião segue firme rumo à terra cumprindo os deveres de Apolo em sua carruagem de fogo, distribuindo os raios de sol, trazendo ao seu lado a bela Aurora.
Logo sente-se o impacto na água molhando o rosto dos tripulantes, um novo estrondo e por encanto somem as potentes asas, os rudimentares equipamentos de vôo e navegação, as águas e os ventos se acalmam os homens se entreolham desconfiados e confusos até que Tio Luiz quebra o silencio.
- Zezinho onde é que tu comprou essa cachaça? Tem mais? E uma explosão de risadas ecoa pela mata assustando os bichos e os peixes.