quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Esquecimento

Para toda dor sempre existe um balsamo. Para todo crime um castigo. Para toda felicidade um preço.
Pragmático, não? Sim, e muito, mas essas são as regras do jogo da vida, não há escolha. Só nos resta aprender a jogar. Às vezes isso leva tempo, consome uma vida inteira e mesmo assim, vez por outra, escorregamos em ensinamentos básicos.
Como, por exemplo, apaixonar-se perdidamente sem que o protagonista da questão esteja de peito aberto para receber essa enxurrada de sentimentalismo.
Ou perder para a vida ou para a morte alguém muito querido e termos a certeza de que falhamos em nossa missão.
O que fazer? Enclausurar-se e chicotear-se para expurgar suas culpas e falta de atenção e cuidado? Pode ser uma saída. Um tanto dramática e dolorida, mas uma saída. Ao menos teríamos as cicatrizes na pele para nos lembrar de nossas faltas.
Contudo, a vida nos oferece outras portas. Trabalho, amigos, família e o bom e velho tempo.
Depositamos tudo na conta do tempo: dor, expectativas, felicidade, realizações.
É ele, que apesar de velho, não se cansa nunca de acomodar mais alguma coisa em seu já pesado bisaco. E sai andando lentamente, como cabe a um sábio velho. Sem pressa ou afobação vai levando nossos sonhos e tristezas para algum lugar num longínquo futuro.
Às vezes, quando lhe aprovem, oferece-nos uma bebida cobiçada para quem sofre: um cálice com a refrescante e cristalina água colhida no leito do rio Letes, o rio do esquecimento. Que ,de acordo com a mitologia clássica, localiza-se no inferno (Hades). Que peça, que ironia! Vem de lá, do centro dos castigos e das dores o bálsamo para os nossos sofrimentos.
Por que tudo o que se e se precisa diante de uma dor que dilacera o coração e o espírito é esquecer. Entorpecer-se com esse licor trazido do inferno. Dormir, um sono sem sonhos que nos enganem. Não olhar para trás nem inventar um futuro que não se cumprirá.
Muitos não sabem, são segredos da vida, mas essa bebida tão cobiçada, está ao alcance das nossas mãos.
Primeiro é preciso descer ao inferno da nossa própria existência. Sofrer, dizer e ver tudo o que é necessário. Odiar e amar numa combustão explosiva. É necessário sentir o ardor no rosto do ódio e do ressentimento.
Para tanto, posicione seu algoz embaixo de uma lupa. Identifique e amplie seus defeitos. A covardia no caso de um assassino. A falta de lealdade e desvios de caráter para desafetos. A cor dos cabelos, trejeitos, manias, fealdade do conjunto corpo e mente para amores perdidos.
Não busque, de forma alguma, desculpas remotas ou psicológicas para as faltas do outro. Encontre um, dois ou três culpados para sua dor, incluindo você.
Após essa minuciosa análise permita-se sentir vontade de estrangular quem te fez sofrer, é prudente que fique só na vontade. Contudo, já estaremos à margem do rio Letes e gentilmente o velho Tempo irá nos oferecer uma taça com o refrescante líquido. Um alívio para a garganta seca e ardente.
Depois, inebriados começamos a longa subida ajudados por esse nobre cavalheiro, amparados nele começamos a nos reconstruir.
Revemos amigos, familiares, flertes passageiros que agora podem se tornar importantes. Estavam todos ali nos esperando para continuarmos.

2 comentários:

  1. Querida Raquel!

    Lindo o seu blog.
    Denso, filosófico e sensível
    (além de bem escrito)
    Parabéns!
    É difícil encontrar
    coisa boa por aqui!

    Parabéns novamente!
    Beijos,

    Marcos Afonso.

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  2. Você é um príncipe Marcos, um verdadeiro cavalheiro eu é que agradeço a visita. Beijos para você e sua Patrícia.

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